Teste de Bechdel, Manic Pixie Dream Girl e representatividade feminina

Pra quem não sabe, dedico boa parte do meu tempo livre a assistir séries e alguns filmes (até mais do que deveria). Acho que a primeira cois...

Pra quem não sabe, dedico boa parte do meu tempo livre a assistir séries e alguns filmes (até mais do que deveria). Acho que a primeira coisa que reparo são as storylines das personagens femininas. E, mais especificamente, nas expressões do título desse post. Pra mim elas se conectam e revelam que, embora esteja na moda incluir grandes personagens femininas em produções com visibilidade (vide Jogos Vorazes, Divergente e outras franquias, por exemplo), ainda é uma parcela ínfima ao lado da competição: blockbusters, romances e séries com muita audiência ainda perpetuam nossos estereótipos debaixo dos nossos narizes. Mas porque permitimos? Na maioria das vezes sequer percebemos, é tudo colocado nas entrelinhas. E isso também tem relação com a proporção de mulheres e homens envolvidos na produção - mais pra frente pretendo abordar as ramificações disso, falando da diversidade entre roteiristas, especialmente.

1. O Teste de Bechdel



É o seguinte: pense em qualquer obra de ficção, recente ou não. Pode ser a última que você assistiu. Pensou? Agora force sua memória pra lembrar de duas personagens que sejam mulheres. Procure lembrar especificamente se elas conversavam entre si. Sobre o que elas mais conversavam? Se a resposta for algo semelhante a homens e/ou relacionamentos com eles, essa obra foi reprovada no teste. Se a resposta for outra coisa, parabéns, você deu sorte. O Teste de Bechdel existe desde os anos 80, criado por uma personagem da cartunista Allison Bechdel (que foi homenageada com o nome) e consiste no questionamento sobre a presença e diálogos entre personagens femininas em obras de ficção - às vezes também se questiona se elas têm nomes. A exigência é que essas duas personagens conversem sobre algum assunto que não sejam os homens. Não sei se é surpresa pra vocês, mas muitos filmes de grande bilheterias reprovam no teste. A trilogia original de Star Wars, Avatar, Titanic, Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2, todos os filmes de O Senhor dos Anéis, são só alguns exemplos.

Acredito que mesmo uma mulher que não conhece o teste, consegue perceber a diferença de um filme como Mad Max - Estrada da Fúria e Avatar. Ambos grandes bilheterias (especialmente o Avatar, sendo recordista na época) e público semelhante. Reduzir personagens femininas à diálogos sexistas e estereotipados pode nos afastar de uma série ou até de um gênero de ficção, ainda que indiretamente. Isso explica também a simpatia que a maioria das mulheres que assistem Orange is The New Black sentem. Como não se sentir instantaneamente familiarizada com aquele episódio que fala sem tabus sobre a anatomia feminina? Ou quando elas estão apenas sentadas conversando sobre um programa de TV qualquer e se divertindo? É uma obra que conseguiu captar a urgência de diálogos não-falocêntricos na ficção. The Good Wife, How To Get Away With Murder e Orphan Black também são ótimos exemplos de séries que sabem usar o protagonismo feminino para cativar o público sem precisar recair completamente sobre estereótipos.

Importante frisar que um filme com uma mulher no elenco principal nem sempre passará no teste. Também existe o Princípio de Smurfette, que em resumo é apenas uma mulher no meio de um elenco com maioria esmagadora de homens. Além de serem fundamentais para fisgar o público feminino, as Smurfettes dessa teoria geralmente seguem um padrão: sexy, performa feminilidade, gostosa, padronizada, às vezes retratada como muito inteligente (para ajudar ao grupo de homens) ou muito burra (ou seja, dependente deles). Geralmente as Smurfettes não conversam (sem ser sobre homens) com qualquer outra mulher que possa vir a aparecer na obra.

2. A Manic Pixie Dream Girl



(500) dias com ela, Scott Pilgrim Contra o Mundo, Tudo Acontece em Elizabethtown, Ruby Sparks - A Namorada Perfeita, Bonequinha de Luxo e Hora de Voltar. O que esses filmes têm em comum? Todos possuem sua Manic Pixie Dream Girl, que nada mais é do que a personagem feminina que aparece para resgatar o pobre mocinho. Elas são o sonho de cada escritor, roteirista, diretor, que seja! São carismáticas, cheias de energia própria, fofas mas sem conhecimento da sua doçura ou simpatia, irradiam otimismo, são quase padronizadas, e ainda assim...diferentes das outras. Surpreendentemente se interessam pelo personagem masculino principal da trama, quase sempre sem desenvolvimento do casal, aparentemente é uma ligação instantânea, com o objetivo de inspirar o mocinho emotivo a se reerguer. São introduzidas para abrir um leque de novas experiências para o rapaz, para viver orbitando ao redor dele, ou seja, estão naquela obra para viverem em função daqueles homens.

Essas mulheres não são personagens bem desenvolvidas, não possuem suas próprias storylines construídas sem desleixo, e mesmo que sejam obras de ficção, elas beiram o impossível em alguns momentos. Há quem goste e até procure por obras com Manic Pixie Dream Girls, mas há quem fique irritado com essa receita repetida em tantos filmes, séries, HQs e livros debaixo do nosso nariz. Afinal, também é um reforço de estereótipos.

Mas porque é importante observarmos esse tipo de representação feminina na ficção?

Estudos recentes comprovaram que os filmes com protagonistas femininas são mais lucrativos - mesmo recebendo menor investimento. Então porque ainda não temos esse equilíbrio entre a protagonização feminina e masculina? Porque continuamos a ser retratadas como uma fórmula de Manic Pixie Dream Girl? É, eu sou dessas que faz a pergunta sem saber a resposta, sinto muito. Mas não vou deixar de explanar meu palpite: a indústria (tanto a TV quanto Hollywood, por exemplo) é um reflexo da sociedade sexista. Vimos atrizes discursando em plena cerimônia do Oscar sobre salários menores, então imagine, se até as grandes atrizes ganham menos que homens para desempenhar papéis semelhantes, e as roteiristas? E as diretoras? Dê uma lida na ficha técnica das últimas obras que você assistiu e conte quantas delas possuem mulheres como maioria ou em grande número. Compare os roteiros das que possuem mais mulheres envolvidas com os roteiros das obras que possuem menos. Sério, faça isso. Eu fiz e pude entender melhor.

É mais um espaço que nós precisamos estar mais presentes. Tanto da nossa posição de consumidoras, quanto de diretoras, atrizes, roteiristas, produtoras, etc. Não que eu seja utópica de acreditar que é uma situação reversível a tão curto prazo, mas entender que a falta de representatividade feminina é o x da questão me fez ficar menos brava com essas lacunas vazias nas storylines de personagens femininas. E, principalmente, me fez valorizar e buscar trabalhos onde mulheres possuem maior envolvimento. Não é grande coisa, mas é um passo mais estratégico, e até fundamental. Afinal, de que outra forma podemos inserir a representação e a protagonização da mulher real na ficção?

Obviamente eu gostaria que o Teste de Bechdel e as análises sobre fórmulas de personagens femininas não fossem necessárias, mas enquanto existir essa disparidade entre homens e mulheres na ficção, é de extrema importância que nós (que gostamos de acompanhar esse tipo de indústria) sejamos mais críticos e exigentes nas escolhas e a quem vamos oferecer suporte (vulgo fanatismo, para alguns).

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2 comentários

  1. Gostei muito do tema abordado e concordo plenamente em tudo ! Show

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